9 de mar. de 2010

Lynch e eu

Recebi uma comparação que me surpreendeu a respeito do meu  La Revancha Del Tango.  Claro, senti o ego afagado. Afinal, não é todos os dias. Buenas, revelo que jamais passou por minha cabeça tal comparação e que nem ao menos sabia da existência de tal filme. Club Silencio de David Lynch. Antes que alguém queria me bater, Lynch é gênio. Sei onde é meu lugarzinho. O naipe do cara está a uma distância inalcansável para o velho Wiskow.
Transcrevo a comparação, ou resenha, análise - como chamar?- escrita por Iara Fernandes.

Filme de Lynch: Cidade dos Sonhos (Mulholland Driver)


A primeira ligação foi ao ler esta parte: ...Não perde tempo, ainda tem o CD ali, perto, sobre uma caixa de
papelão. Sabe que ouvirá pela última vez ali. Coloca-o no aparelho, acende um cigarro e senta na beira da cama, já pelada. Traga, suspira, deixa a fumaça sair
dançando de sua boca. Lábios vermelhos marcam a ponta do cigarro e também a camisa branca de um homem. Ângela lembra de Raul e sua camisa branca.
Detesta e ama  ser melodramática.  Relembra tudo mais uma vez.  Relembra, imagina  Raul  com  outra.  O sorriso dele  despindo  outra mulher,  suas mãos
tocando  seu  sexo,  seus pelos. A boca de Raul percorrendo o corpo da outra. O punhal entra, ela deixa e sente-se como tivesse sufocando, como se tivesse
afogando-se e seu pulmão fosse explodir. Ângela gostaria de meter um punhal no peito de Raul, no peito da outra mulher, no peito dos dois. Que o lençol fosse
manchado de sangue como o batom vermelho na ponta do cigarro, na camisa de Raul. Que o vermelho não fosse marcas de batom e sim o sangue dos dois...

No filme, o Clube Silêncio, com sua cortina de denso veludo vermelho, a cantora e seu vestido vermelho, batom vermelho, o terno de um dos apresentadores, vermelho, a melancolia de Ângela, a melancolia da personagem que canta, a letra e o tom, dramáticos como o desejo de Ângela. Tudo derramado em sentimento, tudo drástico demais, fatal demais...

Como no filme, os personagens de La Revancha parecem soltos em um túnel e, sem nada antes e nada depois, só garantem suas existências, se girarem dentro desse túnel, pois é dele que extraem os elementos que lhe dão essência: irreal x real – sonhos x pesadelos – lógica x imaginação - sucesso x frustração – passado x presente – confusões x perversões



O filme tem duas belas mulheres se amando, se buscando em meio a sonhos e frustrações, La Revancha tem dois autores se buscando em meio a criações e frustrações.
No filme há ruas escuras, desertas, caminhos inóspitos e o deserto de cada um. Em La Revancha há cidade fantasma, parque sem diversão e o deserto de cada um.
No filme, os personagens solitários fracassados são quase que uma miragem de si próprios. Não se sabe, em determinados momentos, se é o primeiro sonho, se é o segundo, ou se tudo é um pesadelo desconexo, ou uma fantasia hollywoodiana romântica. Em La Revancha, os personagens também solitários fracassados são quase que uma miragem de si próprios. Nada é sonho, nem é pesadelo. É o real travestido de literatura e seu personagem afirma: “A literatura é uma mulher na qual ñ se pode confiar”. Penso que Lynch diria que a arte é uma loucura na qual se deve apostar. Os sonhos e suas transgressões são necessários.
A roda gigante poderia ser um sinal... a misteriosa caixinha azul do filme poderia ser um sinal...
O filme quebra qualquer lógica e não há porque querer entender a narrativa na linearidade. La Revancha apresenta quase todos os capítulos em 1ª pessoa, exceto o último e nele um Carlos, também massacrado por Juliana, entra e nos tira do texto reto. Vem a dúvida, a incerteza, a confusão. Quem é ele? O narrador revelado em nome ou outro a sofrer pela devastadora Juliana?

Parece que a cidade fantasma aconchega o narrador, Marcos, Ângela, o garoto e Carlos. De longe surge Maiko e toda atmosfera de Tókio e suas inocentes perversões.
Parece que Betty levaria uma vida de aconchego em Los Angeles, mas Rita surge, do nada, e revira o real com bizarrices e sensualidade.

Se La Revancha virar um filme, acho que os primeiros acordes da guitarra de Zappa, em Chunga’s Revenge cairiam bem numa cena, simultânea, de Carlos olhando pela janela e vendo o mundo se descolando a sua frente, Juliana dominando visão e sentimento, desconcentrando-lhe da luta vã contra as lembranças e de Ângela e suas lembranças arrasadoras.

Já disseram da obra de Lynch que o resultado é esquizofrênico, enigmático, surpreendente. Vejo o mesmo em La Revancha del Tango.

Algumas imagens sensacionais que me dão a certeza de que sua escrita não é como a de qualquer um:

...ela me ignora e pisa em mim com pesados coturnos militares...
... a noite parece o interior de um saco gigante onde milhares de vagalumes dançam freneticamente...
... Juliana é como se fosse toda a divisão Panzer alemã invadindo fronteiras, amassando, passando por cima dele. Não havia como resistir, apenas entregar-se...
 ...A Cidade Fantasma será uma lembrança nublada, um cuspe perdido no meio da calçada...

5 comentários:

Eleonora Marino Duarte disse...

interessantísimo!

valeu a dica preciosa de iara.

acompanharei.

grande abraço.

fab disse...

Foda, bicho.

Emerson Wiskow disse...

Garcias, Betina. Agradeço a visita, volte quando quiser.
abraço

Emerson Wiskow disse...

Fabrício, valeu a visita velhão!

Guy Franco disse...

E ainda Mulholland Drive. Eu não gostaria de mais nada, só sentar, cruzar as pernas e tomar um mate.