12 de abr. de 2010

Milonovisk

No pátio, Milonovisk olhou em volta, a cabeça girou lentamente desenhando um meio círculo. Apenas muros. Viu apenas muros. Frios, altos, indestrutíveis, pareciam eternos. Estava congelado, o corpo todo, os pés... "Ah, como estão gelados os meus pés", pensou Milonovisk. As mãos mal moviam-se. Milonovisk acocorou-se lentamente, não porquê quisesse, mas porque era apenas assim que ele conseguia mover-se. Lentamente. Ele gemeu ao abaixar-se, os ossos estalaram como se algo tivesse quebrado dentro do seu corpo. Olhou para o céu com um ar vago e infinito. O céu pareceu-lhe uma pintura sombria, com pinceladas bruscas. Era uma massa gigante carregada de tintas. A neve novamente começou a cair, ele sentiu os primeiros flocos tocaram-lhe o rosto duro. Milonovisk olhou para baixo, para o chão, e cravou os dedos na neve como se fossem um arado. Ou seria uma garra? Passou uma, duas, três vezes, sempre com força. Olhou novamente para os muros pálidos, pareceram gigantes e intransponiveis. Lá fora tudo parecia vasto, interminável e eterno. Encolheu-se ainda mais, estava gelado. A quanto tempo ele via aquele cenário imutável? Aqueles muros gelados, aquelas paredes que iam em direção ao céu. Aquele céu monstruoso e feio, que davam-lhe a sensação de estar dentro de uma gigantesca câmara de gelo. Tinham-se passados muitos anos. Sentiu vontade de fumar, uma vontade gigantesca, tudo ali parecia gigantesco. Naquele momento só desejava fumar um cigarro, uma bagana que fosse. A vontade devorava-o por dentro, arrancava pedaços, comia-lhe as entranhas. Em um gesto dezesperado Milonovisk levantou-se, os ossos estalaram e ele enfiou as mão entre os bolsos numa procura inútil de encontrar um cigarro, um resto de fumo. Milonovisk sabia que não encontraria, que seus bolsos estavam vazios. A neve continuava a cair sobre ele, agora com mais intensidade e indiferença. Caía sobre o pátio gélido, sobre o longo muro que o cercava, sobre sua cabeça congelada.
De súbito a sirene tocou. Um grito longo, estridente e eterno. Milonovisk continuou a vasculhar os bolsos a procura de um cigarro, mesmo sabendo que nada encontraria ali. Como se aquilo satisfazesse sua vontade de dar uma tragada. Um homem aproximou-se de Milonovisk, duro, gelado, como uma visão surreal. Parecia que ia quebra-se. O homem trazia à boca um toco de charuto. Milonovisk viu o resto de homem, ou talvez seria toda a dureza e resistência de um homem. Milonovisk viu o homem dar uma longa baforada, saborosa... Milonovisk sentiu todo o sabor daquela baforada, a fumaça sendo lançada ao ar gelado. O toco de charuto entre os dedos do homem salpicado de neve. Milonovisk aproximou-se, a neve dançava sobre os dois. Milonovisk pediu ao homem para que pudesse fumar também. A voz saiu fraca, quase que como um gemido. O homem negou. Milonovisk insistiu, desta vez com a voz desesperada, suplicante. Apenas uma baforada, pensou Milonovisk. O homem, com o rosto duro, destruído, rosnou algo serrando o olhos e então virou-se em outra direção. Milonovisk agarrou o homem por trás, com o resto de suas forças. Força que ele mesmo pensara não haver mais em seu corpo. Os dois rolaram pelo chão, a neve grudou-lhes nas roupas. Arfavam os dois, gemiam e rosnavam enquanto trocavam socos, suas pernas também lutavam. Milonovisk conseguiu agarrar a cabeça do homem. A cabeça. Aquela caixa gelada. Milonovisk sentiu os cabelos duros do homem entre os dedos. A caixa estava firme entre suas mãos, a cabeça. Milonovisk jogou a cabeça do homem contra o muro, contra aquele bloco pálido, gelado e gigante. Ouviu um estouro seco, brusco e sentiu o corpo do homem amolecer. Milonovisk continuou a bater a cabeça do homem contra o muro. Mais uma, duas, três vezes, e então viu tufos de cabelos grudados na parede, no muro gélido e pálido. Grudados entre uma mancha vermelha, pastosa. Milonovisk largou a cabeça do homem, ele caiu mole como uma massa inerte. Milonovisk olhou para o chão como se procurasse algo, e procurava. Olhou em volta, os olhos fixos ao chão, vidrados. O toco de charuto estava ali, descansava sobre o chão gélido, ainda acesso. Milonovisk encontrou-o e suspirou com um prazer secreto, acocorou-se lentamente e então pegou o charuto. Deu uma profunda baforada e lançou a fumaça para o céu enquanto os guardas corriam em sua direção.



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